segunda-feira, 15 de junho de 2009

Um breve relato do meu caminho

BREVE RELATO SOBRE O MEU CAMINHO DE SANTIAGO DE COMPOSTELA – ESPANHA – maio de 2009

Bem, esse relato que estou prestes a fazer é apenas para se ter uma idéia de como é a peregrinação pelo Caminho de Santiago de Compostela.
Na verdade, é só para se ter uma noção, pois a experiência é única e sempre muito pessoal. Mesmo assim, vou tentar passar para este texto minhas impressões, o que vivi e o que senti durante o caminho.
Começo dizendo a todos que acredito que o meu caminho não tenha começado em Saint Jean Pied-de-Port, na França, onde comecei a pedalar. Começou quando da minha criação, enquanto alma, espírito, por Deus. Para alguns, durante algumas vidas, desde o meu primeiro nascimento neste plano físico, para outros, a partir da minha concepção, no útero de minha mãe, concretizando com o meu nascimento e meu pai levando a informação de meu nascimento ao Cartório de Registro Civil aqui em Belo Horizonte/MG, indicando que meu nome seria Thiago, assim como o do meu protetor, São Tiago.
Antes, vale ressaltar que não é preciso atravessar todo o Atlântico e ir pedalar, caminhar ou mesmo cavalgar no Velho Mundo para que possamos percorrer O Caminho. Acredito, realmente, que percorremos O Caminho dentro de nós mesmos, ao longo de nossa existência, de nossa vida. Cheguei até a comentar com algumas pessoas que se o objetivo desta minha viagem, desta minha peregrinação, fosse a de encontrar algo na minha vida, alguma resposta, eu não mais precisaria fazê-la; digo isto sem prepotência alguma. É algo simples e que cada um e somente cada um pode descobrir, pois todas as respostas para as perguntas que podemos fazer estão, tãossomente, dentro de nós mesmos.
Tudo começa ou se encaminha a partir do momento que eu comecei a mentalizar a minha viagem, os lugares por onde iria passar, a forma como as pessoas iriam me receber, a maneira como iria fazer o Caminho de Santiago. Sempre com pensamentos positivos, elevados e acreditando que tudo daria certo. O Universo sempre conspira a nosso favor, então, eu tratei de somente manter na minha mente otimismo, alegria, gratidão, amor, equilíbrio e paz.
Claro que fiz, também, todos os preparativos físicos para tal peregrinação. Certifiquei-me de todos ou, pelo menos, da maioria dos detalhes para uma viagem bem sucedida.
Interessante como as coisas acontecem de acordo com a maturidade e sempre no momento certo para cada um.
Estava a três anos namorando tal feito e, mesmo que em alguma época tal viagem tenha ficado menos evidente, ou melhor, não como primeira meta na minha vida, nunca deixei de lembrar deste objetivo e buscar, aos poucos, concretizá-la.
Antes de relatar, realmente, o pedal pelo caminho, não posso deixar de contar como, finalmente, este caminho de Santiago me encontrou. Isto mesmo, me encontrou. Pois eu já estava pensando no caminho, então, tudo começa, como começou, a acontecer de acordo com a minha vontade.
Em meados de 2008, durante um dos passeios de quarta-feira, no Le Vélo, eu, já começando como monitor, esbarrei com uma pessoa. Esbarrei, não literalmente, mas a vida se encarregou de colocar as pessoas e coisas no meu caminho.
Era uma subida até a Praça do Papa, em Belo Horizonte/MG, à noite, e eu tinha ficado um pouco para trás, com o objetivo de ver se algum ciclista que ainda estivesse na subida precisaria de ajuda, mesmo que fosse apenas companhia.
Pois não é que quase no final da subida, no meio já da praça, um senhor tinha descido da bike e estava sentando no passeio. Fui logo conferir se estava tudo bem, perguntei seu nome e continuei ali com ele. Informei pelo rádio que estava com um ciclista que tinha parado, pelo menos para descansar, na metade da praça.
Conversando com ele, o ciclista me disse que tinha, salvo engano, apenas almoçado e estava até aquela hora (por volta das 21:00) sem se alimentar. Ele realmente não tinha mais condição de continuar pedalando. Não sou médico, mas parecia que algo como a glicose do seu organismo tinha se esgotado ou estivesse num nível bem baixo.
Saímos, então, da pista da direita que sobe até o topo da praça e fomos, caminhando e empurrando as bicicletas, para aquela rua que corta a praça ao meio, próximo a um carrinho que vende água de côco.
Perguntei a ele se era diabético. Ele falou que não e eu, então, saquei um sachê de carboidrato em gel e dei para que ele o tomasse, juntamente com água. Talvez aquilo melhorasse um pouco o seu estado. Realmente, ele pareceu e me disse que estava um pouco melhor. Falei para ele que seria interessante colocarmos a bike na caminhonete de apoio e ele não continuar pedalando, mas ele preferiu ligar para sua mulher para que ela o buscasse e ele já fosse direto para casa. Fiquei mais um pouco com ele e, de fato, ele estava melhorando, mas melhor não forçar a continuidade do pedal, afinal não sabíamos como seu organismo poderia reagir.
O grupo, que tinha feito uma breve parada para descansar depois da subida, já estava partindo. Perguntei se ele queria que eu ficasse ali, fazendo companhia até sua mulher chegar. Ele me disse que não precisava e que, afinal, ficando ali, seria menos um monitor para ajudar todo o restante do grupo. Eu ainda repeti a pergunta, pois mesmo que fosse um ciclista, não podemos abandonar, deixar pra trás simplesmente; pelo que ele insistiu para que eu fosse embora com o grupo, me agradecendo e dizendo que sua esposa já estava chegando.
Bem, eu me despedi e desejei melhoras para ele, pedindo a Deus para que tomasse conta do ciclista e de sua saúde. Voltei a me integrar ao grupo, avisando o ocorrido, pelo rádio e seguimos até voltar para o ponto de partida, no Eddie Burguer.
Não me lembro com exatidão se foi no final daquele pedal ou se foi imediatamente no passeio da semana seguinte, mas o Alexandre Hosken chegou até mim e me agradeceu pelo que tinha feito. Eu estranhei um pouco, pois estava sem saber direito o que eu tinha feito. Foi então que ele me disse que tinha ajudado seu tio e lá estava o senhor, hoje também amigo, o Ricardo (acharam que eu não iria revelar ou tinha esquecido o nome do ciclista, né!).
Ainda pela metade do ano de 2008 eu tinha decidido que iria fazer, no ano seguinte, o Caminho de Santiago de Compostela, sozinho ou com algum amigo, de bike.
Alguns passeios depois encontrei com os dois, mas com mais frequência com o Alexandre. Tornamo-nos grandes amigos e, depois de um passeio, já mais no final do ano, guardando as bikes no Eddie para fazer um lanche, dei de cara com uma bike e uma vieira (concha do mar símbolo do peregrino e do Caminho de Santiago).
Naquilo meu coração disparou, pois eu estava pedalando com um peregrino que tinha feito o Caminho de Santiago, logo que reconheci a concha e a cruz vermelha da Ordem de Santiago da Espada (ordem de cavaleiros criada, por volta do ano 1170 d.C. para proteção dos peregrinos até o túmulo do Apóstolo em Santiago de Compostela). Instantes depois, vejo o Ricardo, mas o fato na Praça do Papa já tinha ocorrido há alguns meses e eu não mais esbarrei com ele durante os passeios. Eu reconheci o rosto, mas o nome me fugiu e, a princípio, não sabia direito de onde nos conhecíamos.
Foi então que o Alexandre chegou e falou que era seu tio e...
Pronto! Nem precisava falar mais nada, pois agora eu me lembrava como e de onde conhecia o Hosken tio. Depois disto, fomos lanchar e fiquei maravilhado com o pouco que ouvi do Ricardo sobre sua peregrinação a Santiago de Compostela.
O engraçado foi que tal encontro se deu alguns dias depois de eu ter falado para mim mesmo que iria fazer o caminho no ano seguinte, de qualquer forma.
Fiquei sabendo, pois, que o Ricardo tinha feito o caminho de bike junto com o Calazans. Após tal conversa com ele, quase não dormi direito daquela quarta para quinta-feira. Cheguei na manhã seguinte no caminho relatando o ocorrido e afirmando que iria fazer o caminho em 2009. Ainda não sabia se sozinho e nem em que época do ano; só sabia que faria.
Aos poucos, em trilhas, passeios do Le Vélo, mesmo por telefone, fui absorvendo informações com o Ricardo e confesso aqui para vocês: se não fosse por ele, com suas informações, dicas, sua tranquilidade, seu otimismo, sua boa vontade em me passar livros, guias, fotos, planilhas e até algumas coisas para levar essa minha peregrinação teria sido mais diferente. Não teria sido mais difícil, pois nada na vida é difícil. Pode, a princípio, não parecer fácil, mas é apenas diferente. Mesmo porque se afirmarmos que algo é difícil, realmente aquilo se tornará difícil de ser realizado ou alcançado. Impossível então é uma palavra que devemos riscar de nossa mente.
Resumindo, peguei muitas informações com o Ricardo e o agradeço imensamente por tudo. Agradeço, também ao amigo peregrino Calazans pelas dicas, pela boa vontade e informações sobre a viagem que ele e o Ricardo tinham feito.
Aproveitando os agradecimentos acima, vou fazer um agradecimento geral, pois senão, ficarei aqui somente agradecendo, o fim de semana passará e eu ainda não terei terminado este relato. Antes de todos, agradeço a Deus por me proporcionar tal oportunidade e por estar sempre ao meu lado, também durante todo o caminho. Agradeço o apoio da família, namorada, amigos, conhecidos e mesmo desconhecidos, pelas orações, pela energia positiva que transmitiram antes, durante e depois da minha peregrinação.
Adiantando um pouco a história, esta minha história, encontrei algumas vezes com o Ricardo, com o Calazans e tudo foi se encaminhando para uma peregrinação bem sucedida.
Dias antes, fiz uma revisão geral na bike, testando-a por cerca de uns 200 kilômetros a pouquíssimo tempo antes de embarcar.
Importante registrar aqui, para aqueles que pretendem empreender tal jornada ou qualquer outra, essencial fazer uma lista do que levar e fazer uma conferência de todos os itens a serem levados para que na hora não falte aquele parafusinho da gancheira, por exemplo, ou mesmo um simples raio reserva.
Não precisei de praticamente nada que levei para dar manutenção na bike, pois não tive pneu furado, nem raio quebrado, problema algum com marcha ou freio. Pelo contrário, foi tudo perfeito, neste aspecto. Apenas um contratempo que relatarei no terceiro dia de pedal.
Perguntei para o pessoal da Tripp Aventura, uma loja de bike que sou cliente assíduo, aqui em BH, se eles poderiam desmontar minha bike e acondicioná-la na mala-bike para o meu embarque. Prontamente eles se disponibilizaram. Acompanhei todo o processo que não levou mais que uma hora, mesmo para saber os detalhes para que eu pudesse fazer o mesmo ou, pelo menos, parecido, na volta.
Algumas pessoas me perguntaram se eu tinha conseguido algum patrocinador para tal viagem, pelo que respondi que meu trabalho estava me patrocinando. Basta uma boa economia que qualquer um pode fazer tal caminho. Também não precisa ser nenhum super atleta ou profissional para tal feito. Recomendo, assim como me foi recomendado, uma boa preparação física e emocional, com testes em dias seguidos de pedal com médias de kilometragens parecidas com as feitas diariamente durante o caminho. Além disto, procurei, a exemplo do Ricardo, uma nutricionista para, um mês antes da peregrinação, fazer uma dieta bem completa e preparando meu organismo para a viagem.
Importantíssimo saber, também, como mexer na sua bike. Não precisa ser um super mecânico ou expert em manutenção em bicicletas, mas é crucial que saiba trocar uma câmara de ar, remendá-la, conhecer toda a sua bike, trocar um raio quebrado, ajustar um freio, remendar uma corrente e para tais coisas, essencial que estejamos com ferramentas e peças para substituição ou remendo.
Adiantando mais um pouquinho, chegou o dia do embarque, tudo pronto, a bike, as coisas todas que levaria durante a viagem (que por sinal devem ser as mínimas possíveis). Explico o porque: tudo o que for levado, será peso para carregar na bike durante todo o caminho. A única exceção é a mala-bike que pode ser mandada, por correio, para Santiago e, lá, quando completar a peregrinação, ser retirada no correio central. Eu, especificamente, fiz um pouco diferente, pois já deixei reservado um quarto de hotel por dois dias depois da minha chegada a Santiago, motivo pelo qual enviei minha mala-bike diretamente para o endereço do hotel (lembrem de, se forem fazer assim também, avisar o hotel sobre tal pacote).
O peregrino pode ficar, por até três dias, em Santiago, ao final de sua peregrinação, no albergue de lá.
Bem, fui “despachado” (risos) em Confins pela família e pela namorada, o que, já no momento da despedida de “até logo” não consegui segurar e foi aquela torrente d’água jorrando pelos meu olhos.
Saí de Belo Horizonte já carregando, penduradas no pescoço, duas conchas, uma pequena de metal, junto ao peito, e outra maior, com a cruz vermelha da Ordem de Santiago, à mostra, por cima da camisa (ambas presentes do amigo peregrino Ricardo. Obrigado novamente!).
Era a primeira vez que estava indo para a Europa e sem nenhuma outra companhia que não fosse a de Deus. Basta este companheiro e isto me confortou muito.
Foi uma viagem muito tranquila, embora longa e um pouco cansativa. Até mesmo para entrar na Espanha, ainda em Madri, apenas tive de apresentar meu passaporte, a minha passagem (bilhete eletrônico), informar meu motivo de estar lá e pronto. Até estranhei, pois foi muito calmo tudo. Fui atendido por uma espanhola linda e já estava com todas as coisas recomendadas prontas para serem apresentadas (credencial do peregrino, euros, cartão de crédito internacional, cartão de seguro cobrindo 30.000 euros e a justificativa da minha ida para lá).
Ela apenas perguntou como eu iria fazer o caminho em cerca de 12 dias. Eu respondi que seria de “bici” (como eles chamam bicicleta por lá). Ela elogiou a concha que eu carregava no peito e me desejou “buen camino”. Eu ainda perguntei se não precisaria de nenhuma outra coisa – que já estavam na minha mão (credencial, euros, cartão de crédito e cartão de seguro) – mas ela disse que não e que estava tudo bem.
Segui, então, meu caminho para Pamplona. O aeroporto de Madri é maravilhoso, como vocês podem ver nas fotos que tirei de lá.
Bem, cheguei em Pamplona, um aeroporto do tamanho do da Pampulha, aqui em BH, como tinha dito o Ricardo. Peguei minha mala-bike e fui procurar o Juan (pronuncia-se Ruan), um taxista espanhol, indicação também do Ricardo e do Calazans, pois foi ele que também os pegou em Pamplona e os levou até Saint Jean Pied-de-Port, na França.
Tinha já combinado, por e-mail, no Brasil, com o Juan e lá estava ele com uma placa com o meu nome(Thiago) e apelido (Tiganá) me aguardando. Com um largo sorriso e um abraço fraternal fui muito bem recebido e muito bem acompanhado até o início da minha peregrinação de bike até Santiago de Compostela.
Resumo aqui a ajuda crucial do Juan:
 desembalar junto comigo a bike e montá-la;
 procurar banco aberto para trocar um pouco dos meus travelers cheques (infelizmente não achamos, pois os bancos fecham as 14:00 e eu desembarquei em Pamplona por volta das 14:20) – além de parte dos euros que levei em espécie (recomendo levar um cartão –“tarjeta” – para saque de euros ao invés dos travelers cheques);
 ajudar a despachar a mala-bike para Santiago;
 fazer um lanche no meio de caminho antes de chegar na França;
 levar até a porta do escritório do peregrino em Saint Jean para carimbar a minha chegada e
 encontrar um lugar para descansar naquele dia e começar a peregrinação de bike no outro.
Agradeço, também ao Juan, pois sem a sua boa vontade e toda a sua ajuda minha peregrinação teria começado um pouco diferente. (risos)
Despedi-me dele com um abraço forte e também fraternal e, quase não conseguia falar direito. (agora, choro, lágrimas de ambos os lados)
Com as informações e folhetos que recebi no escritório, na cidade francesa onde iria começar este meu caminho, fui me acomodar, não num albergue, pois já tinha chegado um tanto tarde em Saint Jean: por volta das 20:00.
Detalhe interessante é o pôr-do-sol de lá que acontece após as 21:00 ou 21:30. De manhã, o sol nasce no mesmo horário que o nosso, por volta das 06:00.
Fiquei na casa de uma senhora, a Dona Maria, que aluga os quartos para peregrinos. É um pouco mais caro que as pernoites nos albergues, mas eu estava muito cansado e precisava estar inteiro para o início do pedal no dia seguinte.
Ainda não mencionei, mas optei por fazer o Caminho Francês. É um dos mais conhecidos, senão o mais conhecido. Também tinha muitas informações sobre as cidades e vilas que iria passar por este caminho. Tinha noção de algumas cidades através de outros caminhos mas fiz tal opção e garanto que foi acertada.
Espalhados por toda a Espanha, “cataventos” gigantescos. Ou como dizia Dom Quixote, apenas Gigantes!!! De fato, se há uma montanha, uma pequena elevação, há um captador de energia eólica. Até tal inovação tecnológica nos faz refletir durante o caminho em fontes de energia puras, gratuitas, renováveis e ilimitadas; uma consciência ecológica que deveria brotar nas mentes de todos ou daqueles que ainda pregam pela manutenção de fontes de energia poluidoras como a utilização de petróleo, termoelétricas e usinas nucleares.
Como tinha colocado em minha rotina mental, acordei bem cedo, por volta das 05:30, fiz meu intestino funcionar todos os dias logo ao acordar, lavei o rosto e fui tomar um belíssimo café da manhã, feito pela Dona Maria. Tinha fruta, leite com café, pão com manteiga, geléias, mel. Enfim, um bom café da manhã.
Tendo terminado o café da manhã, carimbei minha credencial do peregrino ali mesmo, acertei a pernoite, peguei o “bocadillo” (sanduíche de pão com queijo e embutidos) e a “naranja” (laranja) gigante, despedi-me, emocionado, da minha primeira hospitaleira e segui, começando meu caminho.
Liguei a câmera para filmar minhas primeiras pedaladas, logo antes do ponto-zero, um portal de pedra, com um santo, um relógio e um sino; e fui abençoado com o soar te tal sino. Emocionante!
Do lado de tal portal, tinha abastecido minhas garrafinhas d’água numa fonte potável (não precisei comprar nenhum ml de água, pois existem fontes de água potável ao longo de todo o caminho e não se fica muito tempo sem avistá-las. Mesmo que você chegue numa fonte e sua água esteja completa ou quase completa, beba alguns goles e encha seu cantil ou garrafinha d’água) – primeira fonte no meu caminho (registrada em foto e postada no Picasa).
Logo no início, são cerca de 27 kilômetros só de subida. As paisagens são belíssimas, o povo espanhol e demais hospitaleiros que vêm de todas as partes do mundo num trabalho voluntário foram, sempre, muito prestativos. Fiquei realmente encantado com a receptividade de todos para comigo, peregrino. Não lembro de ter visto nenhum problema com nenhum peregrino do mundo inteiro.
A estrutura que eles proporcionam, hoje em dia, para o peregrino, com os albergues, fontes de água, informações, “menu do peregrino” e sinalização do caminho são espetaculares. Também a conservação de tais coisas além das “carreteras” (estradas asfaltadas) me chamaram muito a atenção. Eles mantêm tudo praticamente que perfeito para o peregrino. O caminho é árduo, pois, afinal de contas, não estamos acostumados a fazer, em poucos dias (11 dias no meu caso), 836 kilômetros, como eu fiz, pedalando.
Fui ao longo de todo o caminho meditando, orando, agradecendo tanto por aquela oportunidade quanto por tudo na minha vida. Por várias vezes me via chorando, ainda em cima da bike. E era choro de emoção, de felicidade por estar realizando (abusei do “gerundismo”) tal feito e, confesso, também de saudades dos entes queridos.
Ainda na subida dos Pirineus, nos primeiros kilômetros do caminho, saindo de Saint Jean Pied-de-Port, na França, eu pensei comigo mesmo: “O que eu estou fazendo Sair do Brasil e vir pra cá, do outro lado do Oceano Atlântico e pedalar cerca de 800 km!!!” “Estou com Deus e isto é o que importa.
Pratiquei, também ao longo de todo o caminho, técnicas de respiração. Maravilhosa a experiência. Tanto a meditação quanto a respiração, tive a oportunidade de conhecer, aprender e praticar, diariamente, antes mesmo de viajar. Não comecei a fazer meditação Raja Yoga (traduzindo: Conexão (Yoga) com Deus (Raja), com o Ser Supremo, com a Energia Maior) nem tais práticas somente em razão da peregrinação que iria fazer. Surgiu a oportunidade na minha vida e, independentemente da peregrinação, porque não absorver tais conhecimentos e praticá-los.
Tal meditação é realizada de olhos abertos, diferente das que estamos acostumados a ver, com a pessoa sentada, pernas cruzadas e olhos fechados. Foi, é e continuará sendo interessante, pelo menos para mim, pois a todo momento do dia, independente de onde eu estiver, posso meditar. Não há um limitador para tal prática. Ajuda sim a enfrentar o caminho de Santiago e qualquer outro caminho que você precise fazer em sua vida.
Informo a vocês que só ganhei com tais coisas. Inclusive, em razão da prática da meditação, estava a uns três meses sem ingerir nenhuma espécie de carne, mas eu falei para mim mesmo que se somente tivesse comida com carne eu iria comer assim mesmo, pois num continente diferente do meu, talvez não fosse tão fácil, como não foi, encontrar somente comida vegetariana. Acabei comendo carne todos os dias. Não é preciso ser vegetariano para se fazer o caminho ou qualquer outra coisa na vida. Isto é uma opção pessoal e não forçada minha.
Vou resumir o trajeto inteiro, senão eu fico aqui escrevendo sem parar e quem estiver lendo, se é que alguém leu e/ou ainda está lendo (risos), não vai mais fazer nada senão ficar em frente ao computador.
As cidades onde parei, nos onze dias de peregrinação foram:
 Pamplona (1º dia);
 Estella(2º dia);
 Nájera (pronuncia-se “Nárreja”) (3º dia);
 Burgos(4º dia);
 Carrion de Los Condes(5º dia);
 Puente de Villarente(6º dia);
 Astorga(7º dia);
 Ponferrada(8º dia);
 Triacastela(9º dia);
 Palas del Rei(10º dia) e
 Santiago de Compostela(11º dia).
Pude aproveitar bastante todo o caminho, mas aconselho que, quem puder, faça o caminho em alguns dias mais, para aproveitar ainda mais todo o caminho. Tanto para ter mais tempo para você mesmo quanto para absorver todas as maravilhas que acontecem no caminho e toda a cultura secular e milenar do caminho.
Vou continuar resumindo as informações.
No terceiro dia, depois de sair de Estella, já tendo passado por Pamplona, pelo Alto do Perdão e Puente la Reina (alguns pontos obrigatórios para se parar e apreciar) há um mosteiro que tradicionalmente servia de hospital e mais recentemente fornece vinho aos peregrinos. Ainda hoje encontra-se tal bodega onde o peregrino pode provar de uma fonte de vinho que fica ao lado de uma fonte também de água potável. Isto fica no Mosteiro de Irache.
Não é necessário que o peregrino seja, também, um poliglota. Arranhei o meu inglês e meu “portunhol”. Aprendi algumas poucas, mas úteis, palavras em espanhol. Não se passa fome, nem sede, nem mesmo se perde o rumo do caminho caso não se tenha um espanhol ou inglês fluente.
Pelo contrário. É até divertido, pois começam a surgir mímicas, sons, até desenhos entre os peregrinos tentando se expressar. É muito engraçado. Teve um dia, por exemplo, num restaurante em Nájera, onde estávamos em quatro, sentados à mesa, degustando o menu do peregrino. Éramos uma canadense, um francês, uma alemã e um brasileiro (eu).
Foi uma deliciosa refeição regada com uma tentativa de comunicação entre nações muito divertida e descontraída.
Concordando com o que o Ricardo... ops! Esperem um pouco...
Estou escrevendo este relato, a TV está ligada no National Geographic Channel e, coincidentemente, passa, neste instante, uma propaganda sobre uma nova série onde é mostrado O Caminho de Santiago. Parece que está na programação dos sábados por volta das 18:00.
Voltando ao relato... estava eu dizendo que concordava com o Ricardo quando ele me disse que, provavelmente, e acredito que assim tenha sido, eu aproveitaria o caminho melhor fazendo-o sozinho a fazer com outro ciclista. Isto porque eu faria o caminho juntamente com ele, mas umas dores nas costas o impediram de retornar nesta época. Sem problema algum e com incentivo do próprio Ricardo, fui e fiz o caminho de Santiago.
Pude sentir a energia mágica e maravilhosa do caminho, ver paisagens magníficas como as plantações que, às vezes, parecem infinitas, de trigo. Também videiras esplêndidas, bem como algumas oliveiras.
Por falar em vegetação, uma árvore que pode ser encontrada em toda a Espanha e registrada várias vezes nas fotos que tirei é uma que se chama, segundo informação de espanhóis peregrinos, “plataneras”. São lindas e, nesta época do ano, encontram-se desde árvores que parecem estar podadas, sem folha alguma, até outras já com folhas cobrindo os troncos altos que, em alguma época anterior, também pareciam como as primeiras descritas anteriormente.
Outro fenômeno interessante, relacionado à flora nesta parte norte das terras espanholas é a diversidade que encontrei ao longo dos 836 kilômetros de peregrinação. Na primeira região, Navarra, florestas, montanhas, pinheiros, “castanhos”; em algumas partes não tão montanhosas mas também não completamente planas plantações de trigo, uva, oliveiras, além de feno para os animais (bois, vacas, cavalos, ovelhas, carneiros, coelhos e galinhas – pelo menos foram estes o que pude ver por lá).
Já na região central e a maior do caminho, tudo muito plano, com infindáveis plantações de trigos e outros cereais sempre cercadas por flores vermelhas e amarelas (também registradas em minha máquina fotográfica), além de gigantescos blocos de árvores cujas madeiras podem ser encontradas nas lojas de móveis também espalhadas por toda a Espanha.
Por falar em máquina fotográfica, a melhor lente são os nossos olhos e o melhor cartão de memória é a nossa mente, mas acho que vale a pena levar uma câmera fotográfica para registrar algumas coisas pelo caminho. Eu, como gosto pouco de fotografia, registrei quase 4.000 fotos, sendo que selecionei cerca de 1.400 para postagem num sítio (site) de fotografias do Google, o Picasa.
Na última região, a Galícia, uma magnífica vegetação composta de matas nativas, pastos, arbustos multicoloridos e também alguns trigais, videiras e muitas pequenas e médias hortas.
Da mesma forma que fiquei maravilhado com a hospitalidade de todos ao longo de todo o caminho, também, com as vegetações e plantações encontradas, a questão cultural secular ou mesmo milenar não pode ser esquecida e, mesmo se o peregrino não quiser, ainda assim, passará na porta de castelos templários, igrejas românicas, monastérios, pontes medievais, ermitas antiquíssimas, calçadas e portadas também românicas, etc.
É um caminho realmente místico e empolgante. Pelo menos, para mim, também o foi. A cada construção secular ou milenar eu ficava a imaginar as pessoas construindo aquilo na época, as diferentes edificações através das diferentes épocas do Velho Mundo. As civilizações que habitavam aqueles caminhos, aquele caminho. As influências de outras que vieram e se instalaram, os peregrinos primitivos cruzando as terras espanholas e a Ordem de Santiago da Espada, criada para a proteção destes peregrinos, além de outras ordens como, por exemplo, a Ordem dos Cavaleiros Templários, na época das Cruzadas. É muito bacana estar numa região coberta por tanta história.
E por falar em história, vou relatar uma que realmente aconteceu comigo durante o caminho. Pra quem acredita em uma energia superior, em Deus, em um ser supremo, uma luz, um espírito maior ou qualquer outra definição... ou mesmo para quem não acredita, acho interessante contar o que ocorreu comigo.
Estava eu, já no quarto dia do caminho, tendo percorrido, somente neste dia, cerca de uns 50 kilômetros quando eu literalmente parei no acostamento da “carretera” por não mais aguentar de dor no joelho esquerdo. Vou explicar um pouco melhor para elucidar este único contratempo que tive durante o caminho, mas que poderia ter feito esta minha peregrinação ter terminado ali mesmo, antes de iniciar o quinto dia de pedalada.
Estava pedalando com pedal de encaixe. A regulagem da pressão exercida pelos pedais nos taquinhos (pequenas peças metálicas presas no solado da sapatilha que se prende ao pedal proporcionando uma pedalada mais eficiente) não tinha sido alterada, mas como eu estava fazendo algo que nunca tinha feito antes, parando muito para apreciar as paisagens, para descansar, aproveitar o caminho, tirar fotos, me comunicar com outros peregrinos e moradores ao longo do caminho, “desclipava” sempre a perna esquerda, como de costume, apoiando o pé esquerdo no chão e mantendo o direito “clipado” (preso no pedal) ou “desclipando-o” depois do esquerdo.
Pelo fato de estar bem apertado e estar durante o dia inteiro fazendo tal movimento com a perna esquerda, durante quase quatro dias inteiros, comecei a sentir fortes dores no joelho esquerdo, mas somente no terceiro dia pude notar um inchaço na parte externa esquerda deste joelho.
A esta altura da peregrinação de bike, já estava muito preocupado com tal dor e, inclusive, pensei que não aguentaria o quarto dia com aquelas dores insuportáveis. Chegou um ponto em que eu estava com a perna esquerda completamente esticada e apenas pedalando com a perna direita. Estava chorando muito e mal conseguia dobrar um pouquinho o joelho esquerdo. Não me ocorreu o que poderia estar ou ter causado aquilo no meu joelho.
A minha provação tinha começado já com a primeira subida dos Pirineus, depois com o frio, mesmo durante a primavera européia.
Eu também já tinha abandonado o caminho tradicional (estava revezando entre o tradicional e a “carretera”) e somente seguia pela “carretera”. Parei em frente a uma entrada de uma cidade que fica à esquerda da “carretara” nacional, no sentido de quem está indo para Santiago. Cerca de uns dez minutos antes, quando ainda chorava em razão das dores no joelho, orei para Deus e pedi para que Ele me ajudasse a completar o caminho de Santiago. Orei, também, para São Tiago a fim de obter do santo uma ajuda. Pedi para que ele intercedesse por mim. Com toda a minha fé e vontade de completar o Caminho de Santiago, instantes antes de parar na estrada, orei por ajuda, agradecendo, desde já a melhora que estaria por vir no meu joelho.
Eis que antes de eu resolver sair da “carretera” e entrar na cidadezinha, passa por mim um casal de ciclistas em bicicletas de Speed (aquelas mais leves, fininhas e com pneus finos e lisos). Era uma francesa (Nadette) de 61 anos e um português (Antonio) de 64. Eles, casados a 40 anos, estavam fazendo o Caminho de Santiago, tendo saído da região de Champagne, na França, onde moram, e estavam pedalando cerca de 100 km diários. Chegariam até Santiago e, de lá, seguiriam, pedalando, até Fátima, em Portugal, para renovarem seus votos. A igreja onde seria realizada o casamento seria a mesma onde o senhor português foi batizado.
Pois bem, eles viram as bandeirinhas do Brasil ao redor do alforge, diminuíram a velocidade, me cumprimentaram e seguiram pela “carretera”. As informações acima foram obtidas depois, uma vez que neste primeiro contato eles me cumprimentaram e seguiram viagem. (risos)
Eles já estavam uns 300 metros a frente e eu prestes a deixar a “carretera” e praticamente abortar a peregrinação do caminho de Santiago de Compostela.
Foi quando senti algo estranho e parecia que alguém estava me falando: “Vá! Siga aquele casal de peregrinos ciclistas que eles podem te ajudar!”
Com muitas dores e dificuldade, “clipei” os dois pés nos pedais e pedalei bem forte para conseguir alcançá-los. Depois de alguns poucos metros, ouvi outra voz, a voz da razão: “Imagina se você, com o joelho “bichado”, numa mountainbike e com bagageiro conseguirá alcançar as bicicletas de estrada, leves e bem mais rápidas no asfalto!!!”
Ignorei, então, esta segunda voz, ou segundo pensamento, fixando minha mente na ajuda que os dois ciclistas poderiam me dar naquele último ato, provavelmente, antes de abandonar a peregrinação. A estrada fazia uma ligeira curva para a esquerda e eles já tinham desaparecido do meu campo de visão, mas eu não desisti. Então, logo depois da curva, lá estavam eles, parados no acostamento, tirando o excesso de roupas de frio, pois já estavam a muito tempo pedalando e já era à tarde, com o céu aberto e o sol esquentando (pouco, mas esquentando).
Comecei a arrepiar, ao sentir que algo estava prestes a acontecer... a magia, a energia do Caminho.
Nos apresentamos e eu, simplesmente, relatei que estava fazendo o caminho de Santiago mas que iria abandonar no dia seguinte e voltar para o Brasil, pois estava com fortes dores no joelho esquerdo.
O senhor português, então, viu que eu estava de sapatilhas para bike, perguntou onde, especificamente, estava doendo em meu joelho e pediu para eu tirar as sapatilhas. Perguntou se meus pedais estavam muito apertados. Eu respondi que estavam apertados mas que eu achava que não estavam no limite. Virou a minha sapatilha e me mostrou que o taquinho, justamente o da esquerda, estava cerca de um milímetro torto, pelo menos em relação ao outro pé. Disse que, muito provavelmente, por estar com o pedal apertado e sempre “desclipar”, primeiro, o pé esquerdo, isto tinha, aos poucos, movido o taquinho da sapatilha esquerda aquele milímetro da posição correta.
Falou que seu irmão estava mais a frente aguardando-os. Perguntou se eu tinha as ferramentas para mexer no pedal e no taquinho da sapatilha (chaves do tipo “allen”). Respondi que as tinha e que sabia como fazer tais ajustes. Agradeci e me despedi deles. Eles me desejaram boa sorte e um “bom caminho”. Era como se algo estivesse me falando que eu prosseguiria nesta minha peregrinação.
Afrouxei bastante ambos os pedais, retirei o taquinho da esquerda, movendo-o cerca de um milímetro e ajustando-o numa posição mais centralizada que a observada anteriormente.
Calcei as sapatilhas, aproveitei que tinha parado e tomei mais um sachê de carboidrato em gel com bastante água, tirei a blusa corta vento em razão do sol, mantendo a segunda pele e a blusa de ciclismo, suspendi a parte inferior da calça para não fazer “sauna” na perna, por já ter passado do meio-dia e estar a manhã inteira pedalando.
Comecei, então, a pedalar e como que por obra de um milagre divino já quase não sentia dores no joelho esquerdo. Antes, tive, também o receio de forçar demais o direito e ficar com os dois joelhos com problemas. Agora, alguns metros já pedalados após os ajustes indicados pelas duas almas colocadas no meu caminho por uma providência divina, pude sentir, cada vez mais, as dores desaparecendo.
Alguns kilômetros depois mas antes de chegar em Burgos, após a quase parada na cidade de Villafranca Montes de Oca, no quarto dia, eu parei novamente no acostamento para gravar um relato sobre o ocorrido e, naturalmente, tomado pela emoção do caminho e do que tinha acabado de acontecer comigo, comecei a chorar muito. Já não sentia aquelas fortes dores. Pude experimentar um sentimento de gratidão inexplicável. Agradeci, novamente, a Deus, a São Tiago e às duas almas que apareceram em meu caminho.
Daí para frente, nos demais dias, consegui pedalar, cada vez com mais facilidade e só sentia algum incômodo para grandes caminhadas nas cidades, subidas ou descidas de degraus e para subir e/ou descer das beliches nos albergues.
Só tinha lamentado não poder realmente agradecer ao casal de ciclistas que me salvou na minha peregrinação, logo após ter constatada a diminuição das dores até o seu quase desaparecimento. Mas falei para mim mesmo. Eu ainda encontrarei com eles e poderei agradecer, de fato, a ajuda.
No dia seguinte, saindo de Burgos, vi, após alguns kilômetros pedalados pelo caminho, duas bikes Speed com as mesmas bandeiras da França e de Portugal presas nos algorges traseiros delas. Pronto, lá estavam meus anjos salvadores. A vida até se prontificou em colocar logo um português para que eu pudesse entender melhor o que ele estava me explicando sobre o provável contratempo com o joelho.
Neste quinto dia, encontrei com eles na saída de Burgos e depois, próximo a Carrion de Los Condes, onde parei num albergue. Pedalei os últimos 15 kilômetros antes desta cidade juntamente com eles, conversando com ambos. Na entrada da cidade, como eles seguiriam até Sahagun, despedi-me dos dois com fortes abraços e, mais uma vez, com lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Nunca os esquecerei nem o que aconteceu comigo durante o Caminho de Santiago de Compostela.
Bom, acho que vou resumir muito agora, até chegar a Santiago. Passei por lugares magníficos e a energia do caminho continua sempre estimulando o peregrino e tudo à sua volta. Pude ver e conhecer por umas duas horas, por fora e por dentro de um castelo templário em Ponferrada. Maravilhoso.
Outro ponto de grande emoção é a conhecida Cruz de Ferro, entre as cidades de Foncebadon e Manjarin. Aos pés desta cruz, os peregrinos depositam uma pedra que pode ser retirada ao longo do caminho em outra localidade ou mesmo trazer uma de seu país de origem. Eu levei uma pequena pedra São Tomé da cidade de São Tomé das Letras, aqui em Minas Gerais. Ao depositar tal pedra lá, o peregrino, assim como fiz, simboliza deixar para trás todos os problemas, preocupações, medos, angústias, ressentimentos, negativismos. Adivinhem... chorei de novo! Tanto porque tal ponto fica depois de uma subida muito extensa, tal qual a dos Pirineus e outra mais a frente.
A outra subida forte e a que se faz para chegar até O Cebreiro, um lugarejo com as casas de uma antiga civilização – os Celtas. São casas bem baixas, de pedra, com telhados cobertos com um tipo de palha. Lindo este lugar, com os seus 1.300 metros de altitude.
Agora, estamos já nos aproximando de Santiago e a emoção parece aumentar. Mesmo já nos acostumando com a rotina de pedalar boa parte do dia, por dias seguidos, tomando cuidado para repor o líquido perdido, bem como ingerir bastante carboidrato, cada dia de peregrinação é uma novidade. Seja tal novidade nos outros peregrinos, na paisagem, nas ruínas ou edificações conservadas antigas.
Realmente, às vezes, é inexplicável o que sentimos quando estamos fazendo o caminho.
No décimo dia, tinha parado em Palas del Rei e, tendo descoberto que tinha programado apenas 12 dias e que, na verdade, teria 13 dias para chegar até Santiago de Compostela, resolvi diminuir o ritmo e tentar absorver ao máximo o que o caminho pudesse me revelar nestes últimos kilômetros de peregrinação.
Após passar alguns vilarejos pela “carretera” encontrei com amigos ciclistas italianos. Eram três: o Enrico (capitan – pois ele tinha mais preparo físico e, geralmente, estava na frente, parando para esperar os outros dois chegarem), a Rossiela e o William. O William e a Rossiela são primos e o Enrico é cunhado da Rossiela. “Tutti bona gente!!!”
A propósito, além dos peregrinos brasileiros e de demais localidades do mundo que pude encontrar e que estavam caminhando, os peregrinos que vemos repetidamente, nós ciclistas, são os que também fazem a peregrinação de bicicleta.
Pude me relacionar, mesmo que por pouco tempo, com vários ciclistas de várias nacionalidades, pois nos esbarramos por alguns dias, seguidos ou não. Eram na sua maioria espanhóis, como os amigos Cesar e Pedro, um outro casal e mais dois outros amigos que pedalavam juntos. Também franceses de bike e muitos alemães. Por último, mas não menos importantes nem tãopouco em menor quantidade os italianos (pelo contrário, pois vi mais espanhóis e italianos pedalando que quaisquer outros ciclistas de outras nacionalidades).
Neste último dia de pedal (que até então eu não tinha programado para tal), tendo encontrado os amigos italianos de bike, informei a eles que estava adiantado na minha programação e que eu ficaria em Arzúa – cidade distante de Santiago cerca de uns 40 km.
A companhia deles era tão boa que fui passando pelas cidades e vilas e seguindo sempre para a próxima. Também, depois que os encontrei, saí da “carretera” e fui para o caminho tradicional. Foram cerca de uns 60 kilômetros finais na companhia deles.
Passamos por um lugarejo chamado Labacolla ou Lavacolla que fica a uns 10 km de distância de Santiago e que, segundo informações do caminho, era um local onde os antigos peregrinos se lavavam para que pudessem chegar mais apresentáveis na Catedral de Santiago de Compostela. Ainda assim, dizem que o grande “fumeiro” (utilizado na igreja, balançando de um lado para outro, contendo incenso) da Catedral era também usado para melhorar o cheiro dentro da mesma, uma vez que o odor de um ou outro ou muitos dos peregrinos antigos não deveria ser nada agradável.
Chegamos até o Monte do Gozo, assim chamado pois sua altimetria possibilita aos peregrinos que avistem a cidade de Santiago de Compostela. Estávamos a menos de 5 kilômetros da Catedral.
Felizes e realizados, seguimos nos quatro até a praça do Obradoiro, onde se localizava a Catedral em Santiago de Compostela. Ainda metros antes de ficarmos de frente com a Catedral, fomos recebidos, ao passarmos pelo Portal do Palácio, fomos recebidos com um som de um músico que tocava uma gaita de fole. Simplesmente maravilhoso!
Adentramos na praça e nos extasiamos com o tamanho e a beleza da Catedral. Era magnífico, pois não estava sentindo cansaço e, ao mesmo tempo que desfrutada da sensação de ter concretizado um sonho, uma meta, sentia algo diferente e muito bom. Algo que me deixou tão emocionado e que, mais uma vez, me proporcionou um choro, mas não de tristeza, mas de profunda emoção por ter conseguido peregrinar, lembrando-me, inclusive, do ocorrido com o meu joelho esquerdo e da ajuda providencial e divina daquele casal de ciclistas.
Era uma sexta-feira e, em onze dias, aos 29 de maio de 2009, tinha completado os 836 km do caminho francês, partindo de Saint Jean Pied-de-Port e chegado em Santiago de Compostela. Abraços, sorrisos, lágrimas e fotos em frente à Catedral, depois entramos e pudemos abraçar a imagem do Santo no centro do altar. Também, ver uma urna, após uma escadaria abaixo do altar, com os restos mortais de São Tiago.
Além disso, dois gigantescos órgãos na parte central da Catedral (e o som inigualável deles quando da missa especial dos peregrinos, todos os domingos, às 12:00) e demais detalhes, como o "fumeiro" ou "botafumeiro" (turíbulo) gigantesco junto ao altar e um outro menor que geralmente é usado nas celebrações.
Além da Catedral há outras igrejas, museus e edificações antigas em Santiago e, por esta razão, vale a pena, como fiz, ficar uns dois dias após chegar lá, descansando e aproveitando para ver estes outros monumentos históricos.
Bem, acho que estamos chegando ao final deste relato e espero que tenha dado para que quem for lê-lo possa, ao menos, ter uma pequena noção desta experiência, repito, especial, individual e única.
Pode e certamente nem tudo que vi e/ou vivi está neste relato, pois sendo um resumo, tentei lembrar e colocar as principais coisas que me ocorreram durante o caminho.
Aconselho que, se puderem, façam tal caminho e aproveitem ao máximo cada instante do percurso. É, como me disse o Ricardo antes da viagem, uma oportunidade para termos um momento somente para nós mesmos. Na verdade, vários sentimentos, várias experiências, vários momentos num único, o de cada um de nós.
E caso não consigam ir até a Europa para tal, não se preocupem, pois acredito que o caminho é feito no interior de cada um e somente lá.
Um grande e fraternal abraço do amigo peregrino Thiago, Tiganá, Muef.
Belo Horizonte, 13 de junho de 2009.